terça-feira, outubro 10, 2017

Deus Mendigo -Teografias: Livro de Luis Cruz-Villalobos para download


O poeta e pastor presbiteriano chileno Luis Cruz-Villalobos publicou, recentemente, a edição em português de seu livro Deus Mendigo - Teografias, cuja tradução ficou a cargo de Flavia Romera e Jorge Barro. A edição é mais uma iniciativa da Hebel Ediciones, uma casa plural e sem fins lucrativos que tem disponibilizado excelente poesia latino-americana na rede, já de há algum tempo.
A poesia de Luis é uma poesia de liberdades e metáforas; ao fotografar, ao teografar a divindade vestida de pó, ao fazer Deus descer ao nível de cada um de nós, e mesmo dos menores, piores dentre os homens, o autor traz à tona e celebra o Deus em nós, que criados fomos à sua imagem e semelhança. Sua poesia e suas licenças, ainda que poéticas, podem não agradar a todos, e cremos mesmo que assim será; mas como editores não poderíamos nos furtar de divulgar tal obra singular e repleta de humanidade.

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O DEUS-PARDAL

Se Deus existisse
Nada mudaria
Dizia Sartre
Desde a sua estrábica perspetiva
Mas está claro
Que o deus platónico
Ou o aristotélico
Ou o não-deus do príncipe Gautama
Ou o Logos estoico
Ou o de Spinoza
Enfim
Nada poderiam mudar
Tal como o deus deísta
Relojoeiro louco
Palrador distante
Impotente por definição
Apático por suprema excelência
Esse Deus
Nada
Zero à esquerda
Definitivamente
Sartre estava certo
Nula ajuda
Um Deus frio e calculista
Impávido
Nada
Mas não poderão negar jamais
Que o Deus-pardal
O Deus empobrecido
O Deus apaixonado pela sua obra de arte
O Deus louco de amor
O Deus mártir
Este e só este Deus
Muda tudo
Tudo deixa em desconstrução
Como os átomos dançarinos.


ÓRFÃO E VIÚVA

A Ernesto Cardenal, por exemplo

Contam que Deus
O mesmo que fez dançar
O primeiro átomo de hidrogénio
E que sabe o número
de todos os sistemas de galáxias
Costuma visitar os órfãos
E as viúvas
Pela noite
Sussurra-lhes uma canção
Ao ouvido
Beija-lhes a testa
E parte triste
Desejando fazer-se carne
Fazer-se pai/mãe palpável
Fazer-se esposo/esposa visível
Mas já não pode
É outro o projeto
Por ele
Parte veloz
Como vento espectral
A sussurrar a mesma toada
Ao ouvido daqueles que lhe têm
Um amor extremado
Indiscriminado
Profundo
E que estão e estiveram dispostos
A ser os pais/mães/esposos/esposas

Dos desolados da terra.


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