quarta-feira, outubro 31, 2012

Três poemas de Carlos Nejar



Sou Aquele

Eu sou Aquele que é a Palavra. Ap. 19.13

Sou o que rege
o universo, urdi
as almas e presido
o tempo.

Moldo o barro
e o vaso
como quero.

Aos que amo:
oriento, sondo,
provo, velo.
E na luz acordo,
lacro, ressuscito,
selo sob o vento.

E jorro a primavera,
movo a roca
e a dor a faz
finita
no interstício.

Entre o fim
e o princípio,
teço neste fuso,
ajusto o verso.

Depois emerjo.

Crio estes viventes
com o nexo
de amorosa corrente,
que se continuará
criando, desde sempre.


Salmo de Jó na Esperança

Ainda que Deus me mate
terei esperança.
Mesmo que morra,
mesmo que todas as coisas
se despedacem,
há uma luz que irrompe.
Mesmo que morra,
estarei vivo
na tua espera.
Como a criança
que mexe com a pá
a terra e sabe
que num recanto de Deus
ainda é primavera.

Há um extremo de Deus
onde se recomeça.
Mesmo que morra
o que fomos,
um outro em nós
ressuscita
na espera.

Ainda terei esperança,
ainda terei.
Mesmo que morra
a esperança,
em Deus espero.



A Outra Visão de João, o Evangelista

Levado fui diante do trono,
absorvido
de albatroz energia.
E empurrado fui,
lá onde o sonho
trabalhava o dia.

Entrava pela correnteza
de luz e mel. E uma voz
ouvia: “Por misericórdia
vivo permaneces.”

Tinha a percepção
de um completo reino,
com flores novas.
As almas eram
claridade exata.

E consumido,
com a luz ondeava,
sem o peso do eu.
Éramos todos
um só que nos
amava.

Demorei em voltar à tona.
Não queria. Escutava
meu outro nome,
o que está
em Deus, o nome
resoluto, perfeito.

Era a forma do amor
que eu assumia.

Do livro Arca da Aliança (Ed. Pergaminho, 2004)


Carlos Nejar é poeta, ficcionista, ensaísta e tradutor. Membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filosofia. Autor de mais de 50 livros. É pastor da igreja Comunidade Evangélica do Deus Vivo, no Rio de Janeiro. Leia aqui uma entrevista com Nejar.

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